TikTok e o recuo da Web aberta

Uma potencial proibição de uma aplicação de redes sociais é um sinal preocupante de que os legisladores dos EUA estão a assumir uma postura tecno-nacionalista demasiado semelhante à da China.

Colagem de fotos da textura da rede Shou Zi Chew em frente ao Congresso e símbolo proibido

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A luta de Washington com o TikTok durou três anos e duas administrações. Agora, após o testemunho do CEO Shaw Zi Chu perante o Congresso dos EUA em Março e os sinais de consenso bipartidário sobre a próxima proibição, a batalha poderá terminar em breve. Esta vitória iminente dos falcões da China em Washington assinala um recuo num compromisso de longa data com uma Internet aberta. Em vez disso, os legisladores americanos estão a adoptar uma ideologia tecno-nacionalista que é assustadoramente semelhante à da China.

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SOBRE O SITE

Tim Hwang é analista de política e autor de Subprime Attention Crisis, um livro sobre a bolha publicitária programática global. Siga-o no Twitter @timhwang.

Tianyu Fang é escritora e pesquisadora. Ele contribuiu para a criação do Chaoyang Trap, um boletim experimental sobre cultura e vida na Internet chinesa. Siga-o no Twitter @tianyuf.

Na década de 2000, os Estados Unidos adoptaram uma abordagem liberal-democrática à governação da Internet que se baseava numa crença central nos valores da liberdade, abertura e descentralização. As aspirações desta Internet aberta eram globais. As plataformas de redes sociais, embora sediadas principalmente na área da Baía de São Francisco, assemelhavam-se às esferas públicas internacionais. Em 2009, o movimento verde no Irã ficou conhecido como uma das primeiras “revoluções do Twitter”, à medida que os manifestantes se organizavam na plataforma. No ano seguinte, as redes sociais alimentaram revoluções populares na Tunísia e no Egipto, enquanto cidadãos descontentes se mobilizavam contra a corrupção governamental durante a Primavera Árabe.

A medida em que as redes sociais causaram ou aceleraram estes movimentos políticos sempre foi uma questão de debate, mas os governos não democráticos – especialmente os da China – viram a ameaça à estabilidade do regime inerente à Internet aberta e tomaram medidas muito reais. Temendo que as plataformas online de propriedade dos EUA pudessem permitir uma “evolução pacífica” em que a América derrubaria secretamente e de forma não violenta o Partido Comunista, o Estado chinês criou um aparelho de censura cada vez mais severo. E quando as revoluções árabes ecoaram a Revolução de Jasmim da China, em Fevereiro de 2011, com os cidadãos a apelarem a protestos antigovernamentais nas redes sociais, o governo rapidamente ordenou controlos mais rigorosos sobre a Internet.

Pequim não só rejeitou a rede aberta, mas também formulou a sua própria visão de soberania cibernética. Primeiro, num Livro Branco do Conselho de Estado de 2010 e depois na legislação de cibersegurança e nos discursos oficiais do Presidente Xi Jinping, os responsáveis ​​promoveram a ideia de que existiam múltiplas Internet, separadas por fronteiras digitais e patrulhadas por agências governamentais.

Agora, Washington parece estar a perseguir a sua própria versão de soberania cibernética, extraída directamente do manual de Pequim (e talvez de Moscovo). Os falcões da China estão ansiosos por retratar o TikTok como uma ameaça à segurança nacional, embora tais acusações sejam muitas vezes hipotéticas e raramente fundamentadas, tornando-as muito semelhantes aos ideólogos paranóicos de Pequim. O Congresso provavelmente proibirá o aplicativo por meio do Restrict Act, apoiado pela Casa Branca, um projeto de lei apresentado pelo senador Mark Warner, um democrata da Virgínia, com apoio bipartidário. Mas seu alcance vai muito além do TikTok. Se aprovado, o projeto daria ao Departamento de Comércio autoridade para proibir qualquer tecnologia de “adversário estrangeiro” que ameace a segurança nacional. Além de pôr em risco os princípios da Primeira Emenda, o projecto de lei criminalizaria potencialmente a utilização de ferramentas de segurança digital – como redes privadas virtuais – para contornar restrições.

Esta nova perspectiva pode ter mais a ver com dinheiro do que com ideologia. O apoio dos políticos à web aberta sempre foi alimentado, em parte, pela sua crença de que os inovadores privados e as empresas americanas são suficientemente fortes para manter o domínio do mercado. O TikTok, de propriedade da Bytedance, com sede em Pequim, está minando essa suposição de longa data. A ameaça da concorrência estrangeira torna cada vez mais atractivo o abandono de velhas ideologias de proteccionismo em nome da segurança nacional.

A Internet aberta nunca foi perfeita. As revoluções do Twitter no Médio Oriente e noutros países terminaram, na sua maioria, em fracasso. Também no Ocidente floresceram cantos não democráticos da Internet, gerando a radicalização jihadista, a manipulação eleitoral e a desinformação sobre vacinas. Contudo, nada disto prova o fracasso do conceito de rede aberta. Os pessimistas em Washington que apoiam uma abordagem tecno-nacionalista à governação da Internet levaram o país a sacrificar a criatividade e o poder de uma rede comprometida com a liberdade de expressão e a concorrência aberta entre plataformas. Será que os EUA teriam se tornado líderes nas redes sociais nas últimas décadas se o crescimento das suas startups tivesse sido limitado por noções vagas e inconstantes de “segurança nacional”? Mudar nossos valores de acordo com o ambiente competitivo é um retrocesso. As democracias devem trabalhar para vencer nos seus próprios termos.

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